Não me solte, papai!
- Richard H. Lomax Faz mais de doze anos. Às vezes parece que foi ontem, às vezes parece uma eternidade. Minha garotinha finalmente ganhou sua bicicleta.
Não um triciclo, mas uma bicicleta de duas rodas.
Foi o resultado de uma bem sucedida visita a um bazar de objetos de segunda mão na vizinhança. Uma bicicleta de menina, num perfeito cor-de-rosa.
Minha filha logo se apaixonou.
Conseguida a pechincha, coloquei nosso novo tesouro na caminhonete e fui para casa.
Mal consegui tirar a novidade do carro, pois minha filha queria começar a pedalar imediatamente! Era um dia quente e ensolarado, ideal para se aprender a andar de bicicleta.
Ser pai implica participar de uma série de acontecimentos que se encaixam de um modo ou de outro numa contradição básica: queremos que nossos filhos cresçam e sejam independentes, ao mesmo tempo que desejamos que continuem a depender de nós.
Ficamos relutantes em aceitar que o amor que os filhos sentem por nós se baseia no que sentem, não no que fazemos por eles.
Posso ver minha garotinha em sua nova bicicleta.
Ainda é tão pequena, mas está toda ansiosa. Sua voz rouca me pede:
- Não me solte, papai! Com uma das mãos seguro o assento e com a outra o guidão. Corro devagar ao lado da bicicleta.
Às vezes, levanto uma das mãos, mas ouço:
- Não me solte, papai! Mesmo levando em conta as imprecisões da minha memória, lembro que ela conseguiu dominar a completa atividade com alguma rapidez, mesmo depois de um certo desapontamento por não adquirir perícia instantânea na matéria.
Ela enfrentava o desafio com um vigoroso e quase comovente desejo de sucesso, o que viria a se tornar uma característica sua.
Mais uma vez tentei largar a bicicleta.
- Não me solte, papai! Ela almoça correndo, pois só pensa na bicicleta.
Voltamos para a pista de testes, a calçada.
Apesar do medo que ela sente, a cambaleante roda da frente começa a se estabilizar. Falta pouco agora.
Posso sentir que sua confiança aumenta.
Tenho de apressar meu passo a seu lado.
Suas pernas se movimentam com renovadas força e confiança.
Que acontecimento durante a fase de crescimento de uma criança representa melhor a conquista da independência? Aprender a andar é um início de independência. Aprender a falar e a expressar pensamentos originais é mais um passo nessa estrada. Mas são passos lentos e permitem que os pais se acostumem aos poucos.
Aprender a andar de bicicleta é aprender a voar
– uma experiencia que quase instantaneamente dá à pessoa uma liberdade nova, permanente e irrevogável.
Chegou a hora.
Há alguns minutos eu já percebera que ela conseguia alcançar o momento mágico que torna possível essa improvável forma de transporte.
Minha filha percebe também.
Agora, minha mão não lhe serve mais de equilíbrio, mas a faz hesitar.
Meu corpo se move pesada e desajeitadamente a seu lado e não lhe oferece mais conforto – agora faz com que perca a concentração.
- Solte, papai! Ela acelera e sai correndo. As marias-chiquinhas voam no ar.
Ela anda pelo menos quinze metros antes de parar num canteiro ao lado da calçada. Está radiante de felicidade.
No rosto, um sorriso que só pode ser de enorme satisfação. Sorrio também.
Não apenas por compartilhar de sua realização, mas porque me dou conta de que ela iniciou um caminho.
E vai segui-lo, tranqüila. Ser pai significa ter alegrias e tristezas. Há acontecimentos que, inexplicavelmente, causam as duas coisas ao mesmo tempo.
Algumas vezes seguramos, às vezes soltamos.
Uma pequena ajuda com a bicicleta.
m abraço e uma benção na hora de ir para a escola. Como pais, somos destinados a segurar e a soltar, cada coisa na sua hora.
De bom grado deixo meus filhos se lançarem em direção ao futuro.
Encorajo sua independência para descobrirem suas potencialidades e seus talentos.
Mas soltá-los? Nunca.
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